Reintrodução do Lince: Almargem considera não estarem reunidas todas as condições (Dezembro)
Em 1 de Julho de 2014 foi disponibilizado para adesão pública o Pacto Nacional para a Conservação do Lince Ibérico (PNCLI), assinado pelas 12 entidades que integram a Comissão Executiva do Plano de Acção para a Conservação do Lince Ibérico em Portugal (PACLIP) e que precedeu o processo de reintrodução deste ameaçado felídeo em Portugal, que recentemente teve o seu início na região de Mértola.
A Associação Almargem não subscreveu nem vai subscrever o PNCLI e discorda do início da reintrodução do lince pelas razões que a seguir se apresentam.
Antecedentes
A situação lamentável a que se chegou com a extinção do lince-ibérico em Portugal, fica a dever-se à incompetência dos responsáveis governamentais que, durante anos, preferiram propalar números fantasiosos acerca da população existente, nomeadamente na Serra Algarvia, e nada fizeram para evitar a degradação dos habitats, a proliferação de zonas de caça e o desaparecimento dos derradeiros exemplares reprodutores.
Recorde-se também que se, em 2008, foi publicado o PACLIP e, em 2009, inaugurado em Silves o Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico (CNRLI), tal se deve, exclusivamente, à imposição por parte da União Europeia de fortes medidas compensatórias relativas à construção da Barragem de Odelouca, justamente um dos últimos locais onde terá sido detectada a presença de lince em Portugal.
O programa de reprodução em captiveiro do lince-ibérico, quer no CNRLI quer nos restantes centros localizados em Espanha (3 na Andaluzia e 1 na Extremadura), tem efectivamente dado bons resultados, o que provocou uma disponibilidade crescente de linces aptos a serem reintroduzidos na natureza.
Pressionadas pelo aumento da população de linces em captiveiro, as autoridades espanholas iniciaram em 2010 um programa de reintrodução em duas zonas da Andaluzia sem linces (Guarrizas e Guadalmelato), para além do reforço das populações existentes em Doñana e Andújar, estando hoje a ser analisadas outras hipóteses de reintrodução nomeadamente em Castilla-la-Mancha.
O mesmo se está agora a passar com Portugal que tem visto muitos dos linces criados em Silves serem transferidos para as zonas linceiras andaluzas, tendo o governo iniciado agora o processo de reintrodução do lince no Parque Natural do Vale do Guadiana e na zona fronteiriça de Moura-Barrancos.
Reintrodução do lince
A reintrodução de linces na natureza implica um vasto conjunto de acções e medidas preparatórias entre as quais se destaca o aumento efectivo das populações de coelho, principal presa do lince, com construção de cercados de cria, plantio de pastos de alimentação e criação de pontos de água, para além, obviamente, do controlo e erradicação da doença hemorrágica viral (DHV) que tem vindo a dizimar as populações de coelho nos últimos anos.
Para além de uma campanha global de sensibilização do público, muitas outras condições têm que ser asseguradas para que um programa de reintrodução seja bem sucedido.
Desde logo, há que assumir a coragem de negociar com os proprietários e gestores das zonas de caça - as quais entretanto ocuparam praticamente todo o território outrora partilhado pelo lince - uma efectiva redução da pressão cinegética em troca de contrapartidas, pois esse é o aspecto primordial no sucesso desse programa.
Imaginar que a presença duradoira de uma população de linces é compatível com o regime de funcionamento actual de grande parte das coutadas e zonas de caça existentes no sul do país, é o mesmo que acreditar em milagres.
Depois há que reforçar os meios para o controlo e erradicação do uso de artes ilegais de captura de predadores (caça, veneno, caixas-armadilha, laços) pois os linces não são obviamente imunes a esse tipo de ameaças.
Também tem que ser feito um estudo minucioso sobre os previsíveis pontos negros de atravessamento de estradas, uma das principais causas da morte dos linces na natureza, com implementação prévia de medidas como a redução da velocidade e construção de passagens subterrâneas para a fauna.
Finalmente, há que ter em conta as condições existentes em zonas confinantes com as áreas de libertação, pois os linces não são animais sedentários. A Serra Algarvia, a Costa Vicentina, o Sudoeste Alentejano (Serras de Cercal e Grândola, zona de Alcácer do Sal) têm igualmente de ser alvo de eficazes medidas de preparação perante o regresso do lince à zona fronteiriça alentejana.
A Associação Almargem considera que muitas destas acções se encontram ainda por implementar, o que pode ser verificado através das próprias declarações dos responsáveis governamentais. Na verdade, a única preocupação parece ser a recuperação das populações locais de coelhos face à epidemia de DHV, o que já levou ao adiamento da reintrodução, inicialmente prevista para Junho deste ano. O que importa para o governo português, do mesmo que para as autoridades andaluzas, é proclamar o êxito do programa de criação e reintrodução do lince, tentando depois ignorar ou ocultar as consequências negativas derivadas da falta de efectivas condições no terreno.
Em Espanha, nos últimos anos, tem nomeadamente aumentado o número de atropelamentos de linces nas estradas e o número de animais feridos em zonas linceiras que chegam a instituições de recolha e tratamento de fauna silvestre, revelando um incremento de acções de controlo ilegal de outros predadores nesses locais.
Um caso paradigmático tem a ver, infelizmente, com Jazz, um dos linces criados em Silves e libertado, com pompa e circunstância, em Junho de 2013 na zona de Guarrizas (Jaén), o qual se suspeita tenha morrido na província de Ciudad Real menos de dois meses depois, após o seu colar transmissor ter sido encontrado abandonado numa lixeira municipal. Este último acontecimento não teve praticamente nenhuma repercussão pública em Portugal.
Controlo de predadores
Toda a gente sabe que um aumento da população de raposas ou outros predadores (gato-bravo, sacarrabos, geneta, mustelídeos) faz diminuir a população local de coelhos. O que muita gente não sabe (ou sabe, mas prefere omitir) é que a presença de uma população de linces tem um impacto negativo muito forte sobre as populações dos outros predadores que podem chegar mesmo a desaparecer, sendo portanto favorável à população de coelhos.
Assim sendo, numa zona com uma população suficientemente estável de coelhos e com a presença de linces, não é necessário efectuar qualquer controlo de predadores, pois este é feito naturalmente pelo lince.
E mesmo que se venha a revelar necessário pontualmente controlar os efectivos de alguns predadores, existem meios eficazes que não passam pela sua captura ou abate, como, por exemplo, se forem eliminadas as lixeiras selvagens ou efectuada uma limpeza regular de áreas recreativas, as quais funcionam como zonas de alimentação suplementar para espécies como a raposa.
Posição da Associação Almargem perante o PNCLI
Perante tudo o que foi exposto acima, a Associação Almargem não aderiu nem vai aderir ao Pacto Nacional para a Conservação do Lince Ibérico (PNCLI). Esta posição tem a ver fundamentalmente com as seguintes razões:
1. O PNCLI afirma repetidamente que não serão impostas quaisquer condicionantes ou limitações à gestão e exploração cinegética nas áreas de reintrodução do lince.
2. No ponto 2.3 do Anexo II e que eufemisticamente é titulado como "Correcção de densidades de espécies cinegéticas", do que na verdade se trata é de controlo de predadores, não só os que a lei actualmente considera como espécies cinegéticas (raposa, sacarrabos) mas todos os outros. Sob a desculpa da presença do lince, aqui se abrem portas para a tolerância ou despenalização do uso de métodos selectivos de captura (caça, caixas-armadilha, laços) destes animais.
3. Para além de uma referência genérica à manutenção dos habitats, mais nenhuma outra condição essencial para a reintrodução do lince é referida no PNCLI, que não passa de um documento feito exclusivamente para convencer os proprietários e gestores de zonas de caça a aderirem a este projecto em troca de contrapartidas financeiras e de aparente respeitabilidade ambiental.
Conclusão
A reintrodução do lince-ibérico tem que ser um projecto nacional, partilhado por todos os cidadãos. Para isso não basta apoiar campanhas de sensibilização como as que têm sido desenvolvidas nos últimos anos, apesar do seu enorme valor e importância.
Há também que criar efectivas condições no terreno para minimizar as agressões e ameaças que irão pairar sobre os animais libertados e isso implica investimento financeiro, nomeadamente do estado e das autarquias.
Em primeiro lugar, é imprescindível uma negociação séria com os proprietários locais e gestores de reservas de caça, garantindo-lhes contrapartidas interessantes mas em troca de efectivas concessões ao nível de uma adequada manutenção dos habitats e de uma considerável redução da pressão cinegética.
Depois importa criar previamente pontos de passagem subterrânea para a fauna nas principais estradas da zona de reintrodução e áreas limítrofes de forma a evitar a situação que se vive em Espanha onde, só no corrente ano, já foram mortos 20 linces em resultado de atropelamento.
Quanto às populações de coelho, é imprescindível saber quantos cercados de cria foram efectivamente criados nos últimos anos, não só na zona onde agora foram introduzidos os primeiros linces mas em toda a região sul do país, para onde potencialmente os linces a libertar procurarão estender os seus territórios.
Colocamos igualmente bastantes reservas à reintrodução de linces com um colar transmissor como o que equipava os dois exemplares recentemente libertados. No passado, este tipo de equipamentos esteve na base da morte de muitos animais pelos constrangimentos que provoca sobretudo quando o seu portador procura refugiar-se entre o mato cerrado. Compreendemos que, nesta fase, é muito importante conhecer os comportamentos dos animais durante um processo de libertação mas consideramos que devem ser estudadas e utilizadas futuramente outras alternativas.
Só depois de garantidas todas estas condições, a Associação Almargem irá apoiar de forma incondicional a reintrodução do lince-ibérico em Portugal.
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