UMA NOVA BARRAGEM NO ALGARVE - NA RIBEIRA DA FOUPANA: NÃO, OBRIGADO!
Foupana: a última grande ribeira livre do Algarve
A Ribeira da Foupana constitui um dos poucos grandes cursos de água não represados do Algarve e uma das ribeiras mais bem preservadas da região.
Embora esta área não detenha nenhum estatuto de proteção, a Ribeira da Foupana apresenta um interesse particular por albergar em bom estado um conjunto significativo de habitats com interesse para a conservação (tipificados na diretiva 92/43/CEE do conselho de 21 de Maio de 1992) – entre os quais: galerias ripícolas com salgueirais arbustivos de Salix salviifolia susp. Australis (92D0); bosques baixos de loendro (Nerium oleander), tamujo (Fluggea tinctoria) e tamargueira (Tamarix spp.) associados ao leito de estiagem (92D0); e bosques de azinho e sobro e de matagais evoluídos de Juniperus spp. ao longo das vertentes (5210pt3).
Por este motivo, a sua proposta de inclusão na Rede Natura 2000 é há muito sustentada por vários trabalhos científicos, com o objetivo de assegurar a conservação efetiva das espécies prioritárias ali presentes, bem como de melhorar a conservação e gestão de sítios já incluídos – no caso, a ZEC Guadiana PTCON0036).
Uma barragem na Foupana: as consequências
É amplamente sabido que a construção de novas barragens constitui uma séria ameaça à conservação da biodiversidade. Assim, para além dos elevados impactes ao nível de alteração do regime hidrológico a jusante, com consequentes alterações dos ecossistemas, da diminuição de afluência de sedimentos, bem como do avanço da cunha salina (PROT, 2007), o represamento dos cursos de água tem efeitos muito substanciais nas comunidades biológicas. A este nível, os maiores impactes estão associados à transformação de habitats, à quebra de conectividade na rede hidrográfica, e à destruição das galerias ripícolas e dos habitats terrestres adjacentes.
Recorde-se a este respeito que na região já existem seis grandes barragens – Odelouca, Arade, Funcho, Bravura, Beliche e Odeleite. Todas estas acabaram, por excesso de procura, por ficar abaixo da sua capacidade de utilização nos últimos anos. A construção de mais uma barragem não vai, pois, melhorar a gestão dos recursos hídricos na região, mas apenas aumentar a pressão na sua utilização, já que vai promover o incremento de atividades altamente consumidoras de água na sua periferia. Mesmo que, inicialmente, a prioridade seja o abastecimento doméstico, é sabido que haverá imensa pressão/lobbying para que esta nova estrutura venha alimentar mais área e consumo de água de culturas e atividades turísticas insustentáveis.
A inundação do vale fluvial resultante da construção da barragem da Foupana causaria impactes muito substanciais nas comunidades vegetais, ao destruir as formações que se estabelecem ao longo das vertentes e afloramentos rochosos. Estas vertentes são normalmente áreas pouco intervencionadas, pelo que constituem refúgios únicos para algumas formações vegetais muito ameaçadas, que outrora ocupavam áreas maiores, como os zimbrais de Juniperus turbinata subsp. turbinata. A este propósito, interessa salientar que esta área alberga nove habitats protegidos de acordo com a legislação comunitária e nacional*.
O impacte far-se-á igualmente sentir de forma gravosa ao nível da ictiofauna (espécies de peixes), na medida em que esta ribeira constitui, a par do Vascão, um dos locais onde se encontram as populações mais significativas do saramugo (Anaecypris hispanica), um peixe de água doce residente e endémico (só ocorre naturalmente na Península Ibérica) – que se encontra classificado como “Criticamente em Perigo de Extinção”, e cuja distribuição apenas ocorre na bacia hidrográfica do Guadiana (ICNF, 2008). Para além desta espécie, a fauna piscícola de água doce da Ribeira da Foupana inclui ainda outros endemismos de elevada prioridade de conservação exclusivos da bacia hidrográfica do Guadiana – como a cumba (Barbus comizo) e a boga-do-guadiana (Chondrostoma willkomii).
Porque não uma barragem na Foupana: razões e alternativas mais eficientes
A construção de uma barragem na Ribeira da Foupana apresenta uma relação custo-benefício claramente negativa, não só face aos elevados custos ambientais, mas também aos económico-financeiros. Assinalamos ainda a falta de eficácia desta solução, devido à diminuição da pluviosidade, que torna diminuto o seu contributo para a disponibilidade hídrica da região. O potencial de poupança de água seria maior se a solução incidisse sobre os diversos usos (agrícola, doméstico e golfe), bem como sobre a indispensável redução de perdas em sistemas de distribuição, quer nas redes urbanas, quer nos perímetros de rega, e sobre a diversificação das origens, através da reutilização de águas residuais e aproveitamento de águas pluviais - esses, sim, recursos a mobilizar.
A decisão anunciada apresenta-se, pois, desprovida de suporte técnico-científico, tendo por base um modelo de gestão dos recursos hídricos profundamente desequilibrado, pesando para o lado da procura, o qual parece ignorar a necessidade de implementação de outras medidas de adaptação complementares em vários sectores a montante, entre as quais: a reutilização de águas residuais, o aproveitamento de águas pluviais e a diminuição dos consumos ao nível dos setores agrícola, turístico e também doméstico.
A adoção da proposta agora anunciada constitui, pois, uma opção enquadrada num modelo do passado, completamente desfasada dos cenários climáticos previstos a médio-prazo. Esta proposta representa, assim, um claro contrassenso face às projeções de disponibilidade hídrica na região do Algarve (veja-se o exemplo da Barragem de Odelouca), devido à menor precipitação esperada ao longo do século XXI, que será insuficiente no final do século para assegurar a sua eficiência (PIAC Algarve, 2019). À semelhança das outras barragens, esta servirá, pois, apenas para suportar o crescimento económico assente numa gestão nada racional da água, que não tem em conta a limitação deste recurso, e que deveria, ao invés, promover prioritariamente a redução do seu uso, a melhoria da eficiência, a reutilização e por último o aumento das disponibilidades através de novas origens de água.
Em face do acima exposto, a Almargem opõe-se frontalmente à proposta anunciada, esperando que a mesma seja recusada pelas entidades ambientais, sob pena de se vir a cometer um enorme atentando ambiental, só comparável à construção da Barragem de Odelouca, cujo processo foi objeto de contencioso com a Comissão Europeia.
A Direção da Almargem
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* Tipos de habitats naturais de interesse comunitário constantes do Anexo I da Diretiva Habitats
3260 - Cursos de água dos pisos basal a montano com vegetação da Ranunculion fluitantis e da Callitricho-Batrachion.
5210 - Matagais arborescentes de Juniperus spp
5330 – Matos termomediterrânicos pré-desérticos
6220 - Subestepes de gramíneas e anuais da Thero-Brachypodietea (habitat prioritário)
6420 - Pradarias húmidas mediterrânicas de ervas altas
8220 - Vertentes rochosas siliciosas com vegetação Casmofítica
92A0 - Florestas-galerias de Salix alba e Populus alba,
92D0 - Galerias e matos ribeirinhos meridionais (Nerio-Tamaricetea e Securinegion tinctoriae)
9340 - Florestas de Quercus ilex e Quercus rotundifolia,
Espécies da Flora
Marsilea batardae Launert (Anexos II e IV)
Salix salvifolia subsp. australis Franco (Anexos II e IV)
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