Torna-se necessário travar a ocupação das arribas litorais
No rescaldo da trágica derrocada registada, na passada semana, na Praia Maria Luísa (Albufeira), o Ministério do Ambiente decidiu levar a cabo o desmantelamento parcial do bloco de arenito que esteve no centro do acidente.
Apesar de compreensível, a decisão, que foi desde logo apoiada pessoalmente pelo próprio Ministro do Ambiente, em férias no Algarve, face à pressão da opinião pública e perante as proporções humanas mas também mediáticas que o acidente tomou, não pode contudo ser encarada de ânimo leve. Não que não se considere que a mesma não constitui uma medida necessária de manutenção da segurança pública, mas sim porque a mesma encerra em si um claro sinal de ausência de percepção do que está realmente em causa.
As zonas de arriba que estão consideradas como de maior risco (Sensibilidade à erosão média-elevada) estão há muito identificadas pelas autoridades regionais – CCDR Algarve, agora substituída pela ARH Algarve, no que diz respeito a estas competências.
As zonas de risco mais elevado localizam-se em dois troços do litoral central do Algarve: o troço de arriba rochosa (calcária) entre a Praia dos Três Castelos/Prainha e a Praia da Rocha (Portimão) – destacando-se o troço entre a Praia do Vau e esta última - e o troço entre Albufeira e Olhos de Água, constituído na sua maioria por arriba rochosa (calcária), e por arriba arenosa (arenítica) entre a Praia Maria Luísa/Torre da Medronheira e os Olhos de Água, justamente na zona onde agora se deu a derrocada. São estes dois troços que registam anualmente os maiores deslizamentos em massa (derrocadas).
Existem igualmente outros três troços considerados de médio risco: 1) entre a Ponta da Piedade e Lagos, particularmente na Praia de D. Ana – área já intervencionada após ocorrência de derrocada; 2) entre o Carvoeiro e a Senhora da Rocha, particularmente nas arribas (sobreocupadas) sobranceiras ao Carvoeiro; 3) e entre a Praia da Galé e São Rafael/Ponta da Baleeira.
No entanto, o que mais salta a vista neste cenário de risco é que quase todos os troços referidos estão já fortemente ocupados por urbanizações, muitas delas em plena arriba, e nos quais surgem regulamente (ainda mais) novas construções - Praia da Galé, São Rafael/Ponta da Baleeira, Olhos de Água….
Para mais, o único troço que ainda se apresenta parcialmente livre, entre o Carvoeiro e a Sra. da Rocha, e o qual foi já objecto recentemente de uma intervenção de urgência – em Vale Centianes – está agora na mira de promotores imobiliários, estando previstos 3 projectos imobiliários, dois na zona do Farol da Alfanzina e na Praia do Benagil, , e outro já próximo da Sra. da Rocha todos no concelho de Lagoa.
É este o cenário que o Sr. Ministro deveria ver, aproveitando o facto de, mesmo como cidadão em férias, poder tomar conhecimento de uma realidade que não pode mais ser tapada com a peneira.
A noção de risco prevê alguma imprevisibilidade, sendo mais correcto assumir estas zonas como de maior ou menor risco potencial, quer em face da maior sensibilidade face aos factores naturais (agentes erosivos) que contribuem para a actividade das arribas como sejam a acção do mar e das marés, mas também a chuva e a própria acção do Homem, particularmente derivada da ocupação por construções e da circulação de veículos – que contribuem mais ou menos directamente para perturbar um sistema já por si muito dinâmico e frequentemente instável.
A juntar a esta notória incúria das autoridades, ao nível da incapacidade ou inércia para travar o betão sobre a costa, fica mais uma vez clara a ausência da noção de risco por parte da população em geral, que parece ignorar os avisos, mesmo os mais evidentes. Para a maioria, o risco simplesmente não existe – porque haverá de acontecer agora ? – afinal só acontece aos outros...
Apesar dos episódios de derrocada ocorrerem normalmente no Inverno, perante a maior acção dos agentes erosivos, longe da vista dos turistas de Verão e dos holofotes da Comunicação Social, a reunião de um conjunto de factores leva, de vez em quando, a que tal aconteça, como desta vez, em plena época estival. Infelizmente, o suposto interesse superior da manutenção da imagem do Algarve continua a não deixar ressaltar a necessidade imperiosa de seriamente se definir zonas realmente de risco, e se necessário interditá-las, como aconteceu há alguns anos em Vale do Lobo, por acção do INAG, por muito que isso custe.
Não há pois lugar a alternativas, sejam elas cosméticas, como a que se tomou há alguns anos atrás com a betonização das arribas de Albufeira, posteriormente adornadas de coloração ocre, ou outras claramente populistas e de razoabilidade duvidosa como as que agora são propostas pelo próprio Ministro do Ambiente – a demolição de todas as arribas instáveis. De facto sem arribas não haverá derrocadas… mas então o litoral transformar-se-ia num estaleiro permanente de obras.
As construções que estão sobre as arribas, essas, lá continuarão, perante a indiferença das autoridades e do Ministro do Ambiente até que um dia aconteça o que ninguém quer… O acidente da Praia Maria Luísa veio demonstrar que situações como esta podem ocorrer mesmo onde menos se julgava ser provável que aconteça.
Continuaremos assim a assistir à continuação da ocupação do que resta do litoral algarvio, mesmo à revelia das novas evidências científicas, mesmo ao arrepio de um cenário cada vez mais evidente de subida do nível médio do mar, mesmo em zonas de risco conhecido, quer por anuência de planos (já consumados) e decisores, mas igualmente por intervenções com impacte sobre a dinâmica do litoral - construções de marinas, obras de pseudo protecção…
Mas se em vez de uma derrocada natural, tivesse ocorrido um forte sismo, com impacto directo sobre as inúmeras construções no litoral sobre as arribas, ou mesmo um maremoto/tsunami, cujo risco, apesar de menor probabilidade de ocorrência, existe sempre, o desfecho seria certamente muito mais trágico do que na situação agora ocorrida. E situações destas podem acontecer – só não sabemos quando e em que escala…
Loulé, 25 de Agosto de 2009
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