O regresso dos (grandes) incêndios ao Algarve
Afastado que estava há muito o cenário dos grandes incêndios no Algarve, e após um largo interregno, em apenas dois anos (2003 e 2004) a região viu esfumar-se mais de 1/3 da sua área florestal – 100.000 hectares, com as Serras de Monchique e do Caldeirão a serem as mais castigadas, com cerca de 30.000 hectares ardidos em cada uma.
Cinco anos volvidos sobre os dois Verões infernais que deixaram a floresta algarvia de luto, eis que mais um grande incêndio atinge a Serra do Caldeirão, afectando desta feita uma área superior a 1.000 hectares, repartidos entre as serranias do interior dos concelhos de São Brás de Alportel e Tavira.
Mais do que pela sua dimensão, o incêndio da passada semana, veio antes demonstrar que a floresta algarvia continua apesar de tudo à mercê deste flagelo.
É certo que desde 2004 muito mudou na forma de actuar, quer na prevenção, quer no combate aos incêndios florestais. Grave seria se assim não fosse, face a tamanha catástrofe que enlutou Portugal em mais de 400.000 hectares de floresta e terrenos agrícolas (para além de um património natural muito significativo), 20 vítimas mortais e enormes prejuízos materiais, só no ano de 2003.
Desde então foram vários os documentos estratégicos aprovados – os Planos de Ordenamento Florestal (PROF), a Estratégia Nacional para a Floresta, os Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Foram criados os GTF – Gabinetes Técnicos Florestais, as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF)...
Começa porém a ser evidente que (ainda) muito há por fazer, e que apesar das boas vontades e das muitas promessas, continuam a existir questões essenciais (de fundo) por resolver ao nível das políticas florestais, nomeadamente ao nível do planeamento, isto é da floresta que queremos, podemos e devemos ter.
O exemplo da Serra Algarvia, em particular a do Caldeirão, é disso o exemplo paradigmático. Marcada pela ameaça da invasão do Eucalipto na década de 1960, ao contrário da vizinha serrania de Monchique, o Caldeirão permaneceu associado à imagem do sobreiral, apesar das muitas marcas deixadas pela desflorestação providenciada pela "Campanha do Trigo", nas décadas de 1940-50.
No entanto, o abandono provocado pelo êxodo das populações deixou um cenário complexo e de difícil mas urgente resolução: por um lado, uma floresta envelhecida, e à mercê do desaparecimento das práticas agro-florestais altamente dissuasoras dos incêndios, por outro, o aparecimento da figura do proprietário ausente, com o consequente abandono progressivo, apesar da resistência de alguns.
Não há dúvida que a criação de pontos de água e a requalificação da rede de caminhos, bem como a redefinição do esquema de vigilância e combate a incêndios, constituíram melhorias notáveis ao nível da prevenção e combate, porém, perante este cenário, e a não haver mudanças, adivinha-se incerto o futuro de uma floresta cada vez abandonada à sua sorte.
Mais do que procurarem-se culpados (tarefa que deve ser entregue a quem direito), exige-se pois a implementação de políticas reais que promovam a valorização das áreas florestais, quer como espaços de produção de produtos de valor acrescentado, mas também como espaços de uso múltiplo, valorando os serviços ambientais que por estas são providenciados, e tantas vezes esquecidos (protecção da qualidade do ar, protecção do solo e regularização dos recursos hídricos, reservatório da biodiversidade), como forma de fixação das populações e reinvestimento no interior. Recorde-se que muitas populações da Serra perderam o seu pé-de-meia nos grandes incêndios, e muitas continuam ainda a aguardar pelas ajudas... E essa responsabilidade é de todos, pois este é um património de todos.
Mais do que um cenário afastado dos olhos de muitos turistas que visitam a região, a floresta representa uma importante parte do mosaico de paisagem algarvia, a valorizar, e como tal um património a defender, ainda que esquecido de muitos. Recorde-se o triste episódio registado em 2003, aquando do grande incêndio que devastou então a Serra de Monchique, em que perante um cenário dantesco, com as cinzas a cair nas piscinas dos arredores de Lagos, o Secretário de Estado do Turismo de então, procurava acalmar os turistas, dizendo que não era o Algarve que estava a arder... Pois não, foi apenas a maior parte da floresta algarvia que ardeu. E que ardeu agora, um pedacinho mais.
E poderá continuar a arder até que o Algarve seja efectivamente capaz de unir esforços que tenham obviamente em conta os legítimos interesses dos proprietários, mas que salvaguardem também o interesse público que constitui a manutenção de um património ecológico inestimável, grande gerador de riqueza no interior da região.
Loulé, 12 de Agosto de 2009
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