À custa do seu património natural, governo põe o Algarve a render
No contexto e sob o pretexto da crise económica mundial, o actual Governo apostou na rentabilização de vários sectores da economia cuja margem de progressão davam mais garantias de sucesso a curto prazo. Entre esses sectores está o turismo no Algarve.
Perante a indiferença quase geral da população, a passividade conformada de muitos cidadãos ambientalmente conscientes e o apoio incondicional de grande parte das personalidades influentes na opinião pública regional, está actualmente em marcha uma campanha de espoliação sistemática dos locais mais valiosos em termos naturais e paisagísticos do Algarve para fins de utilização turística e imobiliária.
A face visível desta cruzada pelo “desenvolvimento” do Algarve à custa do que resta dos seus tesouros ambientais, tem sido o Ministro da Economia, Carlos Tavares da Silva, e o seu Secretário de Estado do Turismo, Luís Correia da Silva, dois homens vindos directamente do sector privado (Banca e Lusotur, respectivamente). O peso crescente da vertente desenvolvimentista no Governo tem ido a par com o apagamento e a subalternização do Ministério do Ambiente, uma intolerável fragilização financeira do ICN e das Áreas Protegidas, para além da descredibilização de instrumentos importantes para um adequado ordenamento do território como o PROTAL, a Reserva Ecológica Nacional e a Rede Natura 2000, sistematicamente apontados pelos “fazedores de opinião” como os únicos responsáveis da desertificação e depressão económica das zonas rurais.
Os incêndios que devastaram, no último verão, cerca de 10% do território do Algarve, têm também sido aproveitados como argumento para justificar a imperiosa necessidade de atrair novos investimentos urbano-turísticos, como forma de compensar os prejuízos sofridos. Ninguém parece interessado em ir ao fundo dos problemas, apostando numa política de desenvolvimento rural e de ordenamento florestal inteiramente novas, de forma a propiciar às sacrificadas populações do interior, mais do que algumas esmolas pontuais, um conjunto diversificado de medidas compensatórias e apoios orçamentais em troca da função vital que exercem como defensoras de um património natural, histórico e cultural que elas, mais do que ninguém, saberiam preservar e valorizar.
A morosidade dos processos burocráticos e a frequente oposição de alguns organismos da administração pública a muitos dos projectos já divulgados e a outros que agora vêem condições favoráveis para medrar, foram também alvo das medidas do Governo, que criou o CALPTE (Centro de Apoio ao Licenciamento de Projectos Turísticos Estruturantes), uma entidade de contornos legais duvidosos, sem meios de controlo externo e cuja única missão é facilitar a apreciação dos projectos financeiramente mais rentáveis (acima de 15 milhões de euros, embora não obrigatoriamente) e o respectivo licenciamento, tudo de uma forma expedita e, se preciso for, contra os pareceres técnicos dos próprios departamentos governamentais da área do ambiente.
De um momento para o outro, dezenas de projectos deram entrada no CALPTE, entre empreendimentos por diversas vezes apresentados e liminarmente chumbados ao longo dos anos por falta de qualidade ou por razões ambientais, e outros que, por deficiências próprias, tinham visto dificultada a sua aprovação.
E os resultados começam a surgir. Uma nova marina no estuário do Rio Arade (Ferragudo), aprovada por decreto governamental e alvo já de um concurso público internacional antes mesmo da execução de qualquer estudo de impacto ambiental. Um mega-empreendimento urbano-turístico para 5 mil camas (Monte Rei), a ocupar todo o interior da freguesia de Cacela, inicialmente chumbado em sede de avaliação de impacto ambiental e que viu aprovado em Conselho de Ministros o respectivo Plano de Pormenor. O empreendimento de VerdeLago (Altura), cuja declaração de impacto ambiental recentemente emitida pelo Ministério do Ambiente lhe é favorável, apesar das irregularidades de um processo que se arrastava há anos e da prevista destruição de habitats incluídos na Rede Natura 2000 e de mais um troço preservado da costa algarvia. O empreendimento Almada de Ouro Golf & Country Club, quase inteiramente inserido na Rede Natura 2000, também alvo recente de um parecer favorável do Secretário de Estado do Ambiente, contra o parecer da Comissão de Avaliação que sublinhava os fortes impactos ambientais que iria desencadear sobre a zona do Baixo Guadiana, aliás reconhecidos pelo próprio Estudo de Impacto Ambiental.
E muitos outros empreendimentos certamente se vão seguir, como o Secretário de Estado do Turismo fez questão em demonstrar numa recente deslocação ao Algarve, onde visitou vários locais para onde estão previstos projectos turísticos já conhecidos (Quinta da Rocha, Praia Grande, Quinta da Umbria) e até outros de contornos ainda pouco claros (Boca do Rio, Garrão).
A Almargem considera esta situação muito preocupante, tornando-se imperioso que os cidadãos que verdadeiramente amam o Algarve e não estão dispostos a ver a sua qualidade de vida posta em causa em nome dos interesses económicos de meia-dúzia de pessoas, se possam unir em torno de um projecto de desenvolvimento sustentado para a região, contra a ocupação desenfreada de espaços naturais e a massificação do turismo mesmo que sob a falsa aparência da “excelência e qualidade ambiental”.
Ao lobby internacional do turismo agressivo e de rentabilidade a curto prazo, do golfe, das marinas e da betonização do litoral, deve contrapor-se um lobby algarvio a favor de um turismo responsável e de olhos postos no futuro, pela preservação cuidadosa dos últimos espaços naturais que restam e pela primazia da qualidade de vida e dos interesses colectivos dos cidadãos que vivem e trabalham todo o ano no Algarve.
A Almargem tem consciência de que se trata de uma luta de David contra Golias, mas vai procurar dar o seu contributo, denunciando, de forma alargada, a actual política governamental de rentabilização económica do Algarve a qualquer preço, a qual põe em causa a sobrevivência e a personalidade própria de toda uma região.
Loulé, 23 de Outubro de 2003
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