Cidade Lacustre de Vilamoura: último acto de uma tragédia ambiental
Por força da pressão urbano-turística, perante a passividade do poder central e sem instrumentos de planeamento adequados, o Algarve assistiu nas últimas décadas a um crescimento urbano desmesurado e demasiadas vezes incompatível com um desejável desenvolvimento sustentado, tendo como resultado a ocupação massiva de uma parte significativa do território, em particular no litoral, com a consequente destruição da paisagem e dos valores naturais. Os empreendimentos turísticos proliferaram assim ao sabor da vontade dos políticos locais, dos promotores imobiliários e dos construtores civis – os verdadeiros “donos” do Algarve.
A partir da década de 1990, a região passaria porém a dispor de vários instrumentos de ordenamento e planeamento, primeiro com a entrada em vigor do Plano Regional de Ordenamento do Território (PROTAL), em 1991, e posteriormente com os vários Planos Directores Municipais (PDMs), aos quais se juntariam vários Planos Especiais de ordenamento. Infelizmente, a maioria destes planos chegou demasiado tarde e apesar da existência de um tão vasto quadro legislativo, a região continuou desde então a ver ocupar o seu território de forma insustentável, repetindo em muitos casos os erros que se julgavam já ultrapassados e fazendo mesmo muitas vezes tábua rasa dos próprios planos existentes. Exemplo disso foram os designados Projectos Estruturantes (entretanto ressuscitados, mais recentemente, sob a forma de PIN), concretamente os 3 mega-empreendimentos urbano-turísticos (Verdelago, Vale de Lobo III e Vilamoura XXI), aprovados em 1994, por força de um despacho de excepção do Governo, que dava o aval a esses projectos apesar de eles contrariarem todas as regras do ordenamento em vigor, nomeadamente o PROTAL, violando também as Reservas Agrícola e Ecológica Nacionais.
Cidade Lacustre: epitáfio por Vilamoura
Terminou recentemente o período de discussão pública do processo de Avaliação de Impacte Ambiental de uma parte do projecto de Cidade Lacustre de Vilamoura. Trata-se de uma série de lagos com ligação à marina e rodeados de um complexo turístico com 3.000 novas camas. Tudo isto num total previsto de mais de 17.500 camas para Vilamoura XXI, distribuídas por oito áreas urbano-turísticas (incluindo 400 moradias), levando cada vez mais Vilamoura a transformar-se numa mega-cidade que ultrapassa já a vizinha cidade de Quarteira, também ela um exemplo do que de pior se fez no Algarve.
E, mais uma vez, numa insistência num erro que a Almargem começa a considerar demasiado suspeita e lesiva dos verdadeiros interesses nacionais, o Ministério do Ambiente, através da Agência Portuguesa de Ambiente (APA), permitiu que a avaliação dos impactos ambientais deste projecto fosse desdobrada em várias fases. Neste caso foram apenas considerados os Lagos que Vilamoura pretende construir e não a Cidade Lacustre no seu todo. Desta forma, o referido EIA não contempla uma análise séria que se exige a um projecto que pela sua tipologia e dimensões induz impactes cumulativos graves e irreversíveis sobre uma área de tão elevada sensibilidade.
Contrariando qualquer perspectiva séria e moderna de ordenamento e sustentabilidade do território, o projecto passa simplesmente por cima de tudo o que é condicionante ambiental, sob o argumento único da mais-valia turística. Isto apesar de pretender ocupar e inundar parte do que resta dos férteis solos da margem esquerda do troço final da Ribª de Quarteira, afectar uma das mais importantes zonas húmidas do litoral centro do Algarve – o Caniçal de Vilamoura, intensificar o fenómeno da intrusão salina e o aumento da pressão sobre os recursos hídricos e promover o turismo de massas com todas as suas consequências.
Recorde-se que o Caniçal de Vilamoura está integrado na Rede Ecológica Regional prevista no PROTAL e foi reconhecido internacionalmente pela sua importância para a avifauna, tendo assim sido classificado pelo Bird Life Internacional (representado em Portugal pela SPEA) como Área Importante para as Aves (IBA - Important Bird Area). Esta zona húmida passou desde então a integrar a lista das 51 IBAs de Portugal Continental, neste caso concreto por albergar 5 espécies ameaçadas ao nível da União Europeia. Trata-se de uma zona importante para o Camão ou Galinha-sultana, com vários casais nidificantes, devendo ainda referir-se a presença abundante de garças, destacando-se a existência de um dormitório numeroso de Garça-boieira e a nidificação regular da Garça-vermelha e da Garça-pequena. Durante a passagem migratória são regulares as observações de Águia-pesqueira, de Peneireiro-cinzento e de Falcão-peregrino e abundantes os passeriformes migradores transarianos.
Impactes por certo suficientes para questionar a Cidade Lacustre de Vilamoura à luz do interesse público, razão pela qual a Associação Almargem deu o seu parecer negativo a este projecto.
Parque Ambiental de Vilamoura: as contradições
Considerado há alguns anos atrás como sendo uma das principais componentes do projecto Vilamoura XXI, o Parque Ambiental de Vilamoura parece ser hoje encarado como um mero acessório de enquadramento para a mega-urbanização que previsivelmente o rodeará por completo. Apresentado orgulhosamente pelo antigo presidente da Lusotur, André Jordan, como sendo uma das jóias da coroa do empreendimento – e a primeira Reserva Natural privada de Portugal - o Parque Ambiental de Vilamoura é actualmente um espaço de enorme potencial, mas completamente votado ao abandono, fruto da aparente ausência de vontade em fazer deste espaço o que ele merecia, e de uma confrangedora ausência de gestão do território, passando mesmo a ser utilizado como depósito de resíduos provenientes de várias origens de Vilamoura, desde resíduos verdes, inertes/terras, resíduos de construção e demolição, etc.
Apesar de se assistir a uma clara massificação turístico-imobiliária em torno deste espaço, de que o actual projecto da Cidade Lacustre é apenas o epitáfio, a Almargem espera ainda assim que os compromissos assumidos no passado para com esta zona sejam implementados, sob pena de estarmos perante mais um projecto meramente de fachada.
Perante o futuro incerto e difícil que se adivinha para o Parque Ambiental de Vilamoura a Almargem considera pois que é imperativo desde já garantir os objectivos a que se destinou, através da intervenção das autoridades, nomeadamente do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, quanto mais não seja como zona de compensação parcial das áreas de caniçal a ocupar e destruir pelas construções previstas, de forma a assegurar a conservação das populações de aves directamente afectadas.
Loulé, 17 de Setembro de 2009
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