Ponta João de Aréns… a última janela com vista para o mar
« A costa em sucessivos recortes, contrastando com a água azul, gorda e quieta, e a amplidão luminosa de céu e mar (…) João de Arém, aglomerado de rochedos disseminados pelo mar, onde a sensação do estranho e do fantástico atinge o ácume supremo (…) Quem vai ao Algarve deve deter-se pelo menos algumas horas diante da magnífica cenografia formada pelo terreno cortado a pique com a praia lá no fundo, e pelo terreno cortado a pique com a praia lá no fundo, e pelo ilimitado mar azul, donde emergem penedos avermelhados[i]».
Encravado entre a Praia do Vau, paredes meias com a Praia da Rocha, e o Aldeamento da Prainha, a Ponta João de Aréns, ocupa pouco mais de 1 Km de extensão, naquele que constitui actualmente um dos últimos e mais notáveis redutos não ocupados do litoral do concelho de Portimão. Não se pense, porém, que tal significa que esta zona escapou imune ao apelo do betão que reclamou já grande parte da costa de Portimão, antes pelo contrário. Marcado pelo seu enquadramento natural e paisagístico único, há muito que este troço do litoral desperta o apetite de vários promotores imobiliários, o qual viria a ficar plasmado no PDM[ii], aprovado em 1995 – na forma de uma dita Unidade Operativa de Planeamento e Gestão – UOPG 3, a qual viria a consumar-se em 2007 na forma de um Plano de Urbanização (PU).
Aprovado em 2008 pela Assembleia Municipal de Portimão (em 14 de Janeiro de 2008), já com o novo PROT[iii] em vigor (aprovado em 2017), o PU da UOPG 3, a par de mais de uma dezena de outros planos de urbanização e planos de pormenor na região, viria a ser amnistiado (a título excecional, por duas vezes)[iv], escapando assim a aplicação das novas regras de ordenamento, sem que tenham sido sequer consideradas outras alternativas.
Mais de 10 anos volvidos, eis que o projecto da UOPG3 – pomposamente designado de “Loteamento da UP3 de Hotelaria Tradicional de Portimão”, cuja revisão foi publicitada por várias vezes, mas que nunca sofreu alterações de monta, chega agora a Avaliação de Impacte Ambiental, agora numa versão recauchutada (despojada da componente imobiliária), e mais esverdeada, propondo a construção de, não uma, não duas, mas três unidades hoteleiras, e isto a menos de 200 metros do mar…
A Almargem considera que este projecto representa um claro erro de casting do ponto de vista do ordenamento e um atentando ambiental grosseiro, o qual vai ao arrepio do esforço tantas vezes propalado pelas autoridades regionais na prossecução de um modelo (mais) sustentável para a região, numa clara repetição dos erros de um passado, como nada se tivesse aprendido. Afinal, como é possível aceitar que um dos principais argumentos em defesa deste projecto seja o de que região carece de mais hotelaria (de qualidade, é claro), como é seu epíteto, quando é por demais evidente o mar de betão que ocupa já grande parte faixa litoral do concelho de Portimão e seus vizinhos - para onde estão previstos outros tantos projectos (Quinta da Praia e Quinta da Amoreira – Alvor, UP 11 Benagil e UP 12 Caramujeira – Lagoa, Praia Grande – Silves…)? Se mais dúvidas houvesse, bastaria atentar nos números expostos pelo PROT (2007), segundo os quais, na primeira faixa costeira de 500 m a contar linha de costa, a área livre e edificável, descontando as áreas de edificabilidade condicionada ou impedida, não ultrapassa já uns residuais 1% (!!!) da área total.
Da análise do processo que esteve em Consulta Pública, a Almargem considera que as conclusões emanadas da Avaliação de Impacte Ambiental do projecto da UOPG 3 estão claramente enviesadas, ignorando ou desvalorizando os vários impactes induzidos pelo projecto, nomeadamente:
- na sua componente cumulativa, considerando os impactes decorrentes de outros empreendimentos semelhantes existentes ou previstos para região, que não são de todo avaliados;
- nos impactes directos provocados por este, os quais se apresentam negativos, muito significativos e não minimizáveis, os quais decorrem da afectação de umas das poucas zonas livres do litoral do concelho de Portimão, cuja preservação se impunha, e que é caracterizada pela presença de arribas areníticas instáveis, e onde a capacidade de carga das praias é muito reduzida;
- na alteração da paisagem, por efeito da intrusão visual dos edifícios, para mais numa zona cuja artificialização não se afigura justificada à luz das normas previstas nos instrumentos de ordenamento em vigor, quer no PROT, quer no POC[v] do troço Odeceixe – Vilamoura, a aguardar aprovação – que interditam a edificação de novas construções na faixa dos 500 m;
- sobre a biodiversidade, atendendo a presença de habitats semi-naturais com importância para a conservação, e que a localização em causa integra a área geográfica de distribuição natural da espécie 'Linaria algarviana', uma espécie endémica da flora do Algarve, considerada ameaçada, a qual goza de estatuto legal de proteção.
Por tudo isto, a Almargem, espera que este projecto, à semelhança de outros que foram recentemente avaliados pela CCDR Algarve – como o ‘Loteamento do NDT Nascente do PU da UP 11 do PDM de Lagoa’, Sunset Albufeira Sport & Health Resort– seja também este objecto de parecer negativo incondicional, fazendo fé nas palavras do Sr. Ministro do Ambiente, proferidas há alguns meses, aquando do anúncio da inviabilização de um hotel sobre as dunas em Monte Gordo, que “já tenha sido feito o último hotel à beira-mar” (na região), impedindo em definitivo que haja mais construção em cima das arribas ou junto às dunas.
A Direcção,
15 de Março de 2019
[i] Proença, R 1927, Guia de Portugal: Estremadura, Alentejo, Algarve, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
[iv] O PROTAL foi aprovado a 24 de maio, mas só foi publicado em Diário da República a 3 de agosto (Resolução do Conselho de Ministros n.º 102/2007), entrando em vigor a 19 de dezembro de 2007. No seu artigo 6.º ficaria estabelecido que as novas regras do PROTAL não se aplicavam “aos planos de urbanização e aos planos de pormenor em elaboração que à data da entrada em vigor da presente resolução já tenham sido remetidos à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve” até 31 de dezembro de 2007. A 20 de dezembro, uma nova resolução do Conselho de Ministros alargou o período transitório para 31 de janeiro de 2008. Na sequência deste expediente seriam aprovadas 18 000 novas camas no Algarve, a que se juntaria promessa de mais 24 000 ao abrigo do novo PROT.
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