Concessionárias desejam que o conhecimento científico e a população sejam ignoradas.
Quando estamos em plena 22ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP22), em Marraquexe, e lemos notícias como esta (LUSA) e esta (DV), fica claro que as concessionárias começam a jogar todas as cartas para poderem aproveitar os escandalosos contratos que assinaram.
Pressionar o Governo para não respeitar nem o conhecimento científico nem a população, recorrendo a um paralelismo com o futuro Presidente dos Estados Unidos Donald Trump, revela total falta de seriedade ou, talvez, de conhecimento. Principalmente, tendo em conta que Trump “acredita que as alterações climáticas são uma invenção da China” e que, anunciou, deseja reduzir os fundos destinados ao combate às alterações climáticas e fomentar a exploração de combustíveis fósseis.
Durante vários anos, as empresas petrolíferas pouco ou nada disseram sobre a prospecção e a exploração de petróleo e gás em Portugal. Talvez com a ideia de que a população não tem qualquer direito de conhecer ou contestar tais projectos.
Foi apenas no ano passado, após o esforço conjunto da Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) e de outras organizações da sociedade civil, que alguma informação foi cedida (incluindo os contratos que tanto favorecem as empresas e pouco protegem o Estado e a população).
Agora que a população contesta os projectos, as empresas sentem-se melindradas e fazem um ultimato ao Governo: ou as deixam trabalhar ou vão-se embora. Defendem a ideia de que Portugal fica a perder, pois o próximo passo lógico seria explorar e consumir gás natural.
Alguns factos devem ser conhecidos relativamente ao gás natural:
O metano
O metano, principal componente do gás natural, representado quimicamente como CH4, foi um gás causador de efeito de estufa pouco mencionado durante o século passado devido à elevada importância das emissões de dióxido de carbono (CO2). Mas o metano (CH4), se comparado ao CO2, é mais perigoso: é mais eficiente na captura de radiação solar do que o CO2. O impacto do metano na mudança climática, medido num período de 20 anos, é mais de 86 vezes maior do que o do CO2, isto é, 1 unidade de metano equivale a 86 unidades de CO2 (mais informações aqui no website da Universidade de Cornell).
O ciclo completo dos combustíveis fósseis
É importante conhecer o Dióxido de Carbono Equivalente (CO2eq), medida usada internacionalmente que expressa a quantidade de gases de efeito de estufa (GEEs) em termos equivalentes da quantidade de dióxido de carbono (CO2). Ou seja:
1 CH4 ~ 86 CO2
Se avaliarmos a emissão de Dióxido de Carbono equivalente (CO2eq) apenas durante a fase de utilização (queima) dos combustíveis fósseis, admite-se que o gás natural é um dos que tem menor efeito sobre as alterações climáticas (ainda assim, não poderia ser considerado uma “energia verde”):
CH4 + O2 -» CO2 + CO + H2O + Energia
Equação química sem os coeficientes estequiométricos,
englobando genericamente a combustão completa e incompleta do metano.
Contudo, se considerarmos todo o processo, desde a produção até à utilização, constatamos uma realidade totalmente oposta devido à emissão de metano para a atmosfera. Estima-se que o gás natural seja igual ou mais prejudicial que o carvão ou o petróleo.
Gráfico que mostra as emissões de CO2eq dos combustíveis fósseis por Mj de energia, tendo em conta estes dados e a vontade das concessionárias utilizarem gás natural, este deverá tornar-se o principal emissor de gases com efeito de estufa,GEE;
Um dos artigos sobre esta estimativa pode ser consultado na íntegra aqui.
Os planos de mitigação das alterações climáticas não podem incluir a exploração de Gás natural, Carvão ou Petróleo em novos locais.
A indústria petrolífera quer impor o seu produto à sociedade; afinal de contas, foi e é uma das indústrias com maior poder político e económico. Mas, actualmente, não estamos perante uma escolha: estamos a “1 minuto para a meia-noite”, as alterações climáticas estão a superar todas as expectativas e o degelo dos pólos é um indicador extremamente preocupante. De acordo com o relatório “The Sky’s Limit”, nenhuma infraestrutura de extração ou transporte de combustíveis fosseis deverão ser construídos e os governos não deverão assinar mais nenhuma concessão, de acordo com o relatório “
Os pólos, graças ao gelo, funcionam como um reflector natural do calor emitido pelo sol e o degelo fará aumentar gradualmente a taxa de aquecimento do planeta, num processo de “retroativo positivo” (quanto maior a temperatura, menor a área coberta por gelo e, consequentemente, maior o aumento da temperatura).
Em Portugal, a subida do nível médio do mar, a desertificação, a pluviosidade irregular, o aumento das ondas de calor e outras consequências das alterações climáticas põem em risco a população. Temos de seguir o lema da COP22 e “AGIR”.
Portugal deverá desempenhar o seu papel, criando uma estratégia a longo prazo na qual se estabeleçam prioridades, acções concretas e se substituam de forma ambiciosa os combustíveis fósseis. Um primeiro passo foi dado pela Universidade de Stanford, que estimou o seguinte mix energético de que Portugal necessita para virtualmente suprir todas as necessidades energéticas:
Tabela 1. Projeção do Mix Energético de Portugal para 2050 segundo Mark Jacobson, professor de engenharia da Universidade de Stanford. |
|
|
Percentagem |
Painéis solares fotovoltaicos em residências |
7,4 |
Centrais solares fotovoltaicas |
7,4 |
Centrais solares térmicas |
2,8 |
Eólica onshore |
35,0 |
Eólica offshore |
15,0 |
Painéis solares fotovoltaicos em edifícios comerciais e governamentais |
9,6 |
Energia das ondas |
1,0 |
Energia geotérmica |
0,6 |
Hidroeléctrica |
20,4 |
Energia das marés |
0,8 |
TOTAL |
100 % |
Ao invés de seguir as indicações da indústria petrolífera, unicamente preocupada com a sua auto-preservação, Portugal deverá estudar urgentemente, com mais detalhe, a produção de energia (tendo como objectivos a independência energética, a mitigação e a adaptação às alterações climáticas e considerando os seus impactos sociais, económicos e ambientais), definindo as acções necessárias para se tornar um país mais sustentável.
Queremos acreditar no discurso do Primeiro-Ministro, em Marraquex, e que esta cimeira lhe tenha dado o estímulo, vontade e coragem para rescindir os contratos com as petrolíferas.
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