Serra de Monchique novamente a arder
"Imagens belas mas terríveis": foi desta forma que um conhecido apresentador de telejornais de um dos principais canais televisivos comentou uma reportagem que acabava de passar e relativa a um episódio concreto de fogo florestal durante o recente incêndio na Serra de Monchique, o qual consumiu cerca de 4 mil hectares de mato e floresta e pôs em risco inúmeras habitações.
Este comentário espontâneo e imponderado reflecte, provavelmente, o sentimento de muitos portugueses que, lá bem no fundo, consideram "belo" ver uma floresta a arder. Daí talvez a profusão de reportagens, directos e repetições televisivas com garantia de significativas audiências, sempre que um incêndio lavra em qualquer parte, o mesmo acontecendo no próprio terreno com muita gente a acorrer ao local, não para ajudar mas apenas para assistir de longe ao espectáculo. Isto para além daqueles que, com um carácter já declaradamente patológico, vão mais longe e provocam eles próprios os incêndios por puro e doentio prazer, o que provavelmente terá acontecido com o homem que foi apanhado a atear o fogo na Fóia e que antes já teria feito o mesmo noutros locais.
A Associação Almargem apela, por isso, ao bom senso dos meios de comunicação social, em especial as televisões, para que ponderem melhor o modo como apresentam as reportagens dos incêndios, pois uma área natural a arder, mesmo sem risco imediato para as populações, não deixa de ser um episódio dramático e terrível e nada tem de "belo".
No que diz respeito ao incêndio de Monchique, há que recordar que ele deflagrou na tarde do dia 3 de Setembro mesmo no cimo da serra, devido a mão criminosa, tomou rapidamente grandes proporções, ultrapassando sem controlo a estrada de acesso à Fóia e consumindo cerca de 400 hectares da respectiva encosta meridional. Aqui há talvez a considerar ter existido uma primeira grave falha na estratégia do comando operacional, pois a prioridade da utilização dos meios aéreos foi dada ao combate de alguns pequenos focos de incêndio que, simultaneamente, lavravam em torno do Aterro Sanitário do Barlavento, enquanto na Fóia a situação se ia claramente agravando minuto a minuto. Este incêndio foi declarado oficialmente extinto na tarde do dia 7, mas, poucas horas depois, reacendeu-se de forma inexplicável e com extrema violência, tendo atingido povoações importantes como Casais e só parando já bem dentro do concelho de Portimão, deixando um rasto de destruição numa área cerca de dez vezes maior (circundada de negro no mapa anexo).
A maior parte da área agora ardida já tinha sido alvo de um dos gigantescos incêndios de 2003 (a verde), que, em dois episódios, destruíram 40 mil hectares da Serra de Monchique (em parte já no distrito de Beja), para além de outras áreas afectadas pelos incêndios mais pequenos de 2001 e 2004 (a roxo e amarelo, respectivamente).
Nos últimos 15 anos, arderam só no Algarve 115 mil hectares, correspondendo a cerca de 1/5 do território da região, fruto, principalmente, de 4 grandes incêndios: Monchique 2003 (32 mil ha), Caldeirão 2004 (20 mil ha), Sotavento 2004 (20 mil ha) e Tavira 2012 (24 mil ha).
Mapa da área ardida no Algarve entre 2001 e 2013, com indicação da área ardida em Monchique no incêndio de 2016.
Apesar da área este ano percorrida pelo fogo ser menor, não deixa de ser gravíssimo o facto de quase toda a área da Serra de Monchique ter ardido completamente nos últimos anos, a maioria da qual integrada na Rede Natura 2000. É certo que uma parte do valor natural associado à maior montanha da nossa região há muito que foi reclamada por grandes manchas, por vezes contínuas, de eucaliptos, mas nesta zona ainda é possível encontrar, entre outros valores naturais relevantes, algumas áreas sobreviventes de soutos, castinçais e sobreirais, com importância económica e ambiental, os quais estão, hoje em dia, em risco de desaparecer.
São perfeitamente conhecidas as causas que podem aumentar o risco da ocorrência e propagação de incêndios florestais, algumas das quais são estruturais, como a ocorrência de situações meteorológicas excepcionais, ou de difícil reversibilidade, como a negligência humana no uso do fogo, o despovoamento e o envelhecimento das zonas e populações rurais. Mas outras causas podem e devem ser combatidas de imediato, como a quase ausência de práticas sistemáticas de desmatação, a falta de limpeza de áreas ardidas ou alvo de exploração florestal, para além da diminuição do investimento nas essenciais tarefas de prevenção e vigilância.
A bela Serra de Monchique, com os seus socalcos e encostas verdejantes, é já quase um cenário do passado, tendo-se transformado num autêntico barril de pólvora, devido às crescentes manchas de eucaliptal e matos de transição. Mas devemos lutar para que, pelo menos em parte, esta situação se possa inverter nas próximas décadas, caso haja vontade e empenhamento dos responsáveis pelo território e das populações locais.
Por fim, a Associação Almargem não quer deixar de homenagear o esforço abnegado dos bombeiros e outros agentes da protecção civil que, com risco da própria vida, mais uma vez, impediram, no terreno, que as consequências deste incêndio de Monchique se tivessem tornado mais pesadas, sobretudo em termos de danos pessoais.
A Direcção
Associação Almargem
Imagem: Adaptada de Celestina Pedras, Elisa Silva, Fernando Martins, Helena Fernandez, Luciano Lourenço e Rui Lança (2015). Incêndio Catraia (Tavira), RISCOS© - Associação Portuguesa de Riscos, Prevenção e Segurança.
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