Autorizada destruição de solos agrícolas em Vilamoura (Abril)
Quis o destino que seja precisamente quando passam 20 anos sobre a publicação do Despacho-Conjunto de excepção que viria a viabilizar o projecto Vilamoura XXI, que o Governo tenha vindo recentemente autorizar a destruição do que resta de uma das maiores e melhores manchas de solos agrícolas do Algarve.
Ressuscitada em 1994 pelas mãos de um expediente de última hora em vésperas da despedida do governo de então, sob a capa de Projecto Estruturante a par de outros dois mega-empreendimentos (Verdelago e Vale de Lobo III), a Cidade Lacustre de Vilamoura viria depois a ganhar o rótulo governamental de PIN, facto que contribuiu para a sua aprovação final em 2012. Tratou-se de um processo que avançou, desde o início, ao arrepio dos vários instrumentos de ordenamento e planeamento que estavam já aprovados, nomeadamente o PROTAL, o Plano Director Municipal (PDM) e a legislação que rege as Reservas Agrícola e Ecológica Nacionais (RAN e REN) fazendo tábua rasa desses instrumentos legais.
Volvidos que estão vinte anos sobre esta página negra na já longa lista de atropelos ao ordenamento da região do Algarve, eis que a história se repete com a publicação do Despacho n.º 5191/2014, de 11 de Abril, dos Gabinetes dos Secretários de Estado do Turismo e das Florestas e do Desenvolvimento Rural, o qual reconhece o relevante interesse público da utilização não agrícola de 36 hectares de solos abrangidos pelo Regime da RAN, destinados à execução do projecto "Lagos e Infraestruturas da Cidade Lacustre de Vilamoura" e respectivas medidas de compensação.
Não fosse o eufemismo utilizado e quase poderia passar despercebido que o que está em causa é simplesmente a destruição do pouco que já resta de uma das melhores e maiores manchas de solos agrícolas do Algarve, por isso classificados na Classe A, naquela que já foi a maior propriedade agrícola da região, e que agora vão ser escavados ou inundados para dar lugar a uma série de lagos com ligação à marina existente e rodeados de um complexo turístico com 3.000 novas camas. Tudo isto num total previsto de mais de 17.500 camas para Vilamoura XXI, o que faz deste empreendimento turístico uma mega-cidade que ultrapassa já a vizinha cidade de Quarteira.
O governo, apesar de reconhecer o elevado valor da mancha de solos em causa, tenta justificar a destruição em definitivo daquela área com um rol de argumentos qual deles mais assombroso, que vão desde o facto de que não haveria alternativas para o projecto, passando pela desvalorização actual dos solos agrícolas uma vez que não estão a ser utilizados e que a destruição dos mesmos pode trazer benefícios sob a forma de medidas compensatórias.
É preciso recordar que, de forma propositada e trapaceira, o Ministério do Ambiente permitiu-se reduzir a avaliação dos impactos ambientais deste projecto apenas à construção dos lagos e canais acessórios, ignorando o impacte cumulativo e irreversível de todo o empreendimento, contrariando qualquer perspectiva séria e moderna de ordenamento e sustentabilidade do território e passando por cima de tudo o que é condicionante ambiental, sob o argumento único da mais-valia turística, o que é certamente discutível, a não ser para alguns supostamente iluminados.
Tudo isto apesar de o projecto inundar parte do que resta dos férteis solos da margem esquerda do troço final da Ribª de Quarteira, afectar uma das mais importantes zonas húmidas do litoral centro do Algarve – o Caniçal de Vilamoura - intensificar o fenómeno da intrusão salina e o aumento da pressão sobre os recursos hídricos e promover o turismo de massas com todas as suas consequências. Recorde-se que o Caniçal de Vilamoura está integrado na Rede Ecológica Regional prevista no novo PROTAL e que o mesmo foi reconhecido internacionalmente pela sua importância para a avifauna, tendo sido classificado pelo Bird Life International como Área Importante para as Aves (IBA - Important Bird Area), integrando a lista das 51 IBAs de Portugal Continental.
A Associação Almargem não pode deixar que a decisão agora tomada seja aceite de ânimo leve, para mais num período em que tanto se propala a necessidade de valorizar a actividade agrícola, sublinhando que ela constitui um atropelo à protecção que se exige imperiosa de um recurso (o solo agrícola) que é escasso e não renovável, numa região em que os melhores solos ocupam apenas 12% do seu território e que é igualmente uma das que maior área de RAN tem vindo a alienar, muitas vezes sob o argumento do alegado "interesse público".
Assim, e perante a insistência do Estado-Português em não defender o verdadeiro interesse público, à Almargem resta apenas a possibilidade de apresentar uma queixa junto da Comissão Europeia, esperando que esta instituição seja mais sensível à defesa dos valores naturais do Algarve que o primeiro está obrigado a promover, mas sobre os quais desfere agora mais este rude golpe.
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