Lagoa dos Salgados e Sapais de Pêra
Salgados e Sapais de Pêra
Toda a região situada entre os troços finais das Ribeiras de Espiche e de Alcantarilha, constitui um sistema ecológico bastante diversificado. Uma praia extensa, protegida por um cordão dunar particularmente desenvolvido (Praia Grande), duas zonas húmidas com grande valor paisagístico e conservacionista (Sapal de Pêra e Lagoa dos Salgados), espaços agro-pastoris ainda com alguma utilização, formações geológicas singulares (duna fossilizada), património rural valioso (moinhos de vento, casas agrícolas), interessantes manchas de vegetação natural e até um pequeno pinhal, constituem elementos que podiam e deviam ser recuperados e valorizados.
A Associação Almargem desde sempre defendeu que qualquer intervenção a realizar nesta zona do litoral da Freguesia de Pêra e Concelho de Silves, deveria ter em conta o conjunto de todos esses elementos, que constituem a identidade e a personalidade deste espaço, e não apenas os que mais convêm aos planos de especulação e ocupação imobiliária que, há muito, se perfilam para aquele local.
Isso mesmo parece ter sido compreendido pela antiga DRAOT-Algarve que, em 2002, promoveu um estudo global do território em questão e aí instalou percursos de interpretação ambiental que tinham em conta os diversos valores em presença. Numa das publicações então editadas pode ler-se:
“Para além das características próprias da zona húmida envolvente da Lagoa dos Salgados para albergar e favorecer a presença de valiosa comunidade ornitológica, o espaço circundante presta igualmente um importante papel como suporte de vida animal. Os espaços agrícolas, o sistema dunar da Praia Grande, o pinhal e o sapal de Alcantarilha, desempenham funções ecológicas importantes que, no seu conjunto, contribuem para o equilíbrio e biodiversidade local.”
A Associação Almargem acreditou mesmo que esta intervenção da DRAOT poderia levar a uma reformulação completa dos planos que os proprietários e o Município têm para aquele local. A recuperação e preservação dos espaços naturais, a aposta no ecoturismo e uma ocupação urbanística sensata e inteligente em zonas menos sensíveis, baseada na baixa densidade e na elevada qualidade, poderiam realmente fazer deste espaço um novo paradigma de desenvolvimento equilibrado do litoral do Algarve.
Plano de Pormenor
Inteligência, sensatez e sustentabilidade não é, no entanto, o que caracteriza o Plano de Pormenor da Praia Grande, apresentado pela Câmara Municipal de Silves em 2007. O que conta aqui, sobretudo, é a máxima rentabilização do espaço litoral disponível, à custa dos valores naturais existentes. Entre Armação de Pêra a rebentar pelas costuras (15 mil habitantes na época alta) e a costa da Galé (Albufeira) também sobrepovoada e densamente urbanizada (só no empreendimento em construção na Herdade dos Salgados, são cerca de 2.000 novas camas), pretende-se criar ainda mais 4.000 camas em hotéis e apartamentos, para além do inevitável campo de golfe, mesmo ao lado de um outro já existente.
Plano de intervenção da ARH
Iniciada em 2006 pela CCDR-Algarve, a elaboração do Plano de Valorização e Gestão para o Corredor de Zonas Húmidas entre Armação de Pêra e Ancão, recentemente divulgado pela ARH-Algarve, deixa de fora algumas zonas importantes (Sapal de Pêra, Trafal) e ignora completamente as boas ideias e intenções do estudo apresentado pela DRAOT em 2002. No que respeita à Lagoa dos Salgados já nem sequer se esconde que “apesar da forte pressão urbanística sentida, o facto de a Lagoa ficar integrada por estes campos de golfe, confere-lhe alguma tranquilidade e um enquadramento paisagístico também benéfico para a imagem de qualidade que os empreendimentos turísticos envolventes promovem.”
Este é, obviamente, um plano que agrada aos promotores do Plano de Pormenor da Praia Grande e parece talhado à sua medida. Fundamentalmente, pretende-se resolver os graves e crónicos problemas ambientais da Lagoa dos Salgados, de forma a não atrapalhar e comprometer o uso turístico e a imagem da zona envolvente.
Lagoa dos Salgados
Toda a polémica em torno da Lagoa dos Salgados que ultimamente ocupou a comunicação social e a Internet, tem focalizado as suas atenções para o grave impacto que o esvaziamento periódico da lagoa tem sobre a avifauna ali existente. Mas este é um problema que vai certamente tornar a ocorrer no futuro imediato, pois o erro fundamental já há muito foi cometido: a instalação de um campo de golfe no leito de cheia de uma lagoa. Para a Associação Almargem a questão da Lagoa dos Salgados tem de ser encarada de modo mais global, centralizar-se nos aspectos essenciais relativos à conservação da natureza e da avifauna existente e ter em conta os planos de ocupação urbano-turística massificada que para aí estão previstos. Neste cenário, as cenas de “holocausto ambiental” que correram mundo podem mesmo servir de adequado argumento para a urgência de uma intervenção como a que a ARH agora propõe, que aponta uma solução correcta para o problema do excesso de água na Lagoa dos Salgados mas que se limita a actuar sobre esse local, ignorando todo o sistema ecológico em que se insere.
Neste contexto,
a.a Associação Almargem convida a Câmara Municipal de Silves a olhar de frente e de forma inovadora o futuro, procedendo a uma revisão completa do Plano de Pormenor da Praia Grande, o que implica obviamente uma negociação com os proprietários em causa, de forma a implementar um novo projecto turístico de alta qualidade, baseado no usufruto dos espaços e valores naturais existentes e não na ocupação urbanística maciça, desqualificadora e insustentável.
b.a Associação Almargem apoia o plano de recuperação e valorização ambiental da Lagoa dos Salgados apresentado pela ARH desde que:
- a área de intervenção do plano seja alargada também ao Sapal de Pêra e zonas limítrofes;
- a Lagoa dos Salgados não seja encarada apenas como espelho de água de campos de golfe.
c.a Associação Almargem solicita à SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves) que, em conjunto com as importantes organizações internacionais a que se encontra ligada (BirdLife, RSPB), promova uma candidatura urgente dos Salgados e Sapais de Pêra ao estatuto de ZPE, ao abrigo da Directiva Aves.
A direcção.
24 de Abril de 2009
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Anexo à Nota de Imprensa de 24 de Abril de 2009
Lagoa dos Salgados
A Lagoa dos Salgados faz parte de um antigo estuário situado na confluência da Ribª de Vale Rabelho e da Ribª de Espiche, dois pequenos cursos de água do litoral algarvio. A sua separação do oceano consumou-se há já muito tempo com a progressiva constituição de um bem desenvolvido sistema de dunas que se estende da Galé até Armação de Pêra e atinge uma altitude máxima próxima dos 20 m. No entanto, a barra da lagoa nunca deixou de ser aberta na ocasião de grandes tempestades marítimas ou, mais recentemente, por acção do homem. Esta zona húmida era apenas, até ao início do séc. XX, uma vasta área de sapal envolvendo a lagoa de águas salobras cuja superfície variava entre os 60 ha, nos invernos mais rigorosos, e cerca de 4 ha durante o verão.
Nos terrenos situados na margem direita da Ribª de Espiche, pertencentes ao concelho de Silves, foi depois instalada uma rede de valas de drenagem que permitiu o seu aproveitamento agrícola, nomeadamente para fazer arroz e culturas hortícolas. Na margem esquerda, pertença do concelho de Albufeira foi construída, nos anos 60, uma pista de aviação. Estes usos do solo desencadearam acções mais regulares de abertura artificial da barra para escoamento das águas da lagoa, em torno da qual se mantiveram algumas manchas de sapal. Em 1986, a metade oriental desta zona húmida começou a ser alvo de obras de regularização, com construção de diques, aterros e lagos, acabando por aí ser instalado um campo de golfe.
A lagoa, agora de menores dimensões, continua a ser regularmente aberta de forma quase sempre artificial, permitindo a renovação das águas muito eutrofizadas e poluídas pelos efluentes provenientes do campo de golfe e também da ETAR de Pêra, situada a montante. O que resta da zona húmida, na sua maior parte localizada no concelho de Silves, mantém-se como zona alagadiça com pastagens e valas abandonadas, conquistadas pela vegetação palustre. A espécie dominante é a salicórnia-maior (Arthrocnemum macro-stachyum), pequeno arbusto de caules articulados e carnudos, capaz de dessalinizar o solo. Outras plantas halófilas bastante abundantes são o junco-marítimo (Juncus maritimus) e o junco-agudo (Juncus acutus), enquanto nas valas e outras zonas de água doce vai aparecendo o caniço (Phragmites australis) e a tabúa (Typha latifolia).
Apesar da degradação e da gestão inadequada dos habitats, a Lagoa dos Salgados é, sem dúvida, uma zona húmida muito importante devido à numerosa população nidificante de mergulhão-pequeno (Tachybaptus ruficolis) e de perna-longa (Himantopus himantopus). Este é também um dos dois únicos locais conhecidos de nidificação em Portugal de zarro-castanho (Aythya nyroca). Durante o Inverno, a galinha-sultana ou camão (Porphyrio porphyrio), a garça-real (Ardea cinerea) e o tartaranhão-dos-paúis (Circus aeruginosus) podem também ser encontrados em número significativo. Para várias espécies de limícolas, andorinhas, alvéolas, petinhas, cotovias e muitos outros passeriformes migradores e invernantes, a Lagoa dos Salgados permanece como uma excelente área de alimentação, ultrapassando já 140 o número de espécies aqui observadas. Destas espécies, 39 estão protegidas pela Directiva das Aves, sendo que o zarro-castanho e a galinha-sultana são mesmo consideradas espécies de conservação prioritária.
Muitas destas aves encontram na lagoa diversas plantas e várias espécies de crustáceos (caranguejos, camarões) e bivalves (berbigão), para além de alguns peixes como
- onegrão (Chelon labrosus), a taínha (Mugil cephalus) e as liças (Liza sp.), os quais, por vezes, morrem às centenas quando as águas se encontram particularmente desoxigenadas ou poluídas.
Atentados ambientais na Lagoa dos Salgados
Apesar do contexto de excepção em que se insere, a Lagoa dos Salgados continua a ser sujeita a um rol de atentados ambientais de origem humana quase constantes, que vão desde a circulação indisciplinada de pessoas e veículos (agravada com a instalação recente da Ecovia sem se ter acautelado previamente o inevitável aumento da pressão humana), à realização de provas de parapente motorizado, à deposição de lixos e à completa subordinação dos poucos actos de gestão a interesses alheios às preocupações com a conservação da natureza. Estes actos culminaram já por várias vezes com a realização de intervenções mais ou menos autorizadas sobre o ecossistema lagunar, por parte do campo de golfe situado a nascente, concretamente ao nível da abertura artificial da lagoa ao mar.
Construído em plena área inundável da lagoa, e ocupando portanto o seu leito, o Campo de Golfe da Herdade dos Salgados reduziu drasticamente a capacidade de retenção da zona húmida. O resultado está a vista: em consequência dos processos naturais de cheia, o campo de golfe é frequentemente invadido pelas águas da lagoa, obrigando à sua abertura ao mar. Acontece porém que tal intervenção, da responsabilidade do promotor do campo de golfe, vem sendo feita em desrespeito pelos valores naturais da lagoa, quase sempre de forma não fundamentada, sem cobertura legal, perante a inércia e complacência das autoridades, e o que é mais grave, de forma impune.
Exemplo disso foi o verdadeiro atentado ambiental levado a cabo em 2008, em que a destruição do cordão dunar levou à destruição de inúmeros ninhos de aves, e cuja magnitude levou mesmo à intervenção pública do Ministro do Ambiente.
E foi exactamente o memo que mais uma vez aconteceu em fins do mês de Março passado. Perante a subida do nível da lagoa, desta vez não por efeito de um episódio de forte precipitação, o promotor (Grupo CS – Herdade dos Salgados) abriu novamente a lagoa ao mar com esvaziamento quase completo do corpo lagunar, provocando uma hecatombe na vida aquática e na avifauna que ali se acolhe, desta feita com imagens que correram mundo através da Internet. O mais grave é que, neste caso, o que motivou a abertura extemporânea da lagoa parece estar na drenagem contínua de água salobra proveniente das obras de construção do Hotel daquele empreendimento, a qual levou à subida súbita do nível de água com alagamento do campo de golfe.
Mais uma vez, perante a passividade das autoridades, o referido empreendimento levou assim a cabo uma intervenção altamente lesiva do património natural, naquilo que pode ser já considerado um crime ambiental em série, o que contraria a sua pretensa imagem de grande respeito pelo ambiente, imagem que aliás tem feito por vender. De recordar que o promotor da Herdade dos Salgados é o mesmo que há algum tempo atrás ocupou, de forma ilegal e impune, parte do Domínio Público Marítimo nas arribas da Praia de São Rafael, em Albufeira.
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