Conservação da Natureza no Algarve: oportunidade de futuro ou mera minimização de impactes?
“Chegará um dia em que a conservação da natureza se fará sobretudo nos taludes e faixas separadoras das auto-estradas”
Esta frase, por mais exagerada que possa parecer, traduz bem o desinvestimento e abandono a que têm sido votados os principais instrumentos e organismos dedicados à preservação dos valores naturais e da biodiversidade em Portugal.
A fragilidade daí decorrente, possibilita o constante renovar das pretensões daqueles para quem a conservação dos espaços naturais é simplesmente um empecilho à expansão dos seus negócios especulativos ou, na melhor das hipóteses, um cenário adequadamente verde e idílico onde instalar golfes, marinas ou urbanizações turísticas.
A prova de tudo isto está no facto de que, apesar de planos de ordenamento, estatutos de protecção e restrições legislativas nacionais e comunitárias, os promotores imobiliários não desistem de ocupar os poucos espaços que restam no litoral e, cada vez mais, também no interior do Algarve, mesmo que se trate de zonas muito sensíveis e com grande valor conservacionista.
O Ludo e o Vale da Benémola constituem exemplos paradigmáticos, por um lado, dos tesouros naturais que o Algarve ainda possui e, por outro lado, do apertado cerco e cobiça que essa riqueza desencadeia. Muitos outros casos poderiam, obviamente, ser indicados como os Salgados e Sapais de Pêra, a Ria de Alvor, a Boca do Rio e diversos locais do Baixo Guadiana, Ria Formosa e Costa Vicentina.
Ludo/Pontal
O Ludo, também conhecido por Herdade do Muro do Ludo, é há muito considerado uma das zonas mais importantes da Ria Formosa e uma das mais importantes zonas húmidas de Portugal, razão pela qual íntegra aquela área protegida desde a sua criação em 1978.
A importância deste espaço de considerável dimensão (cerca de 500 hectares), faz desta zona húmida um local único, quer pela sua complexidade, quer pela diversidade de habitats (de água doce e salgada) ali existente, possibilitando a ocorrência de um grande número de espécies, com particular relevo para a avifauna, o que está bem patente nas mais de duzentas espécies de aves ali registadas, tornando o Ludo num dos locais de maior importância ornitológica no Algarve e em Portugal.
Contudo, apesar do indiscutível valor deste espaço e do facto do mesmo constar entre os sítios com mais estatutos de protecção, o Ludo está constantemente sujeito a pressões de diversa ordem que, na busca de interesses particulares, põem em causa valores naturais públicos e excepcionais. Isto associado a um completo e incompreensível alheamento e desinteresse do Estado pelo Ludo, resultando na total ausência de uma gestão adequada e na degradação de muitos habitats, reduzindo-se concomitantemente a sua biodiversidade.
A iminente compra do Ludo por uma conhecida e mediática figura nacional, vem reforçar a ideia de que toda esta vasta área, inserida no Parque Natural da Ria Formosa, se encontra, mais uma vez, gravemente ameaçada.
Paralelamente, assiste-se hoje a um verdadeiro assalto aos terrenos do Pontal, localizados em torno do Ludo, e situados nos concelhos de Faro e Loulé. Recentemente adquiridos por capitais russos, aí se pretende instalar golfes e vastas zonas urbanizadas.
Apesar do Pontal ser o único pulmão verde que resta à cidade de Faro, e uma das maiores áreas florestais de todo o litoral algarvio, a autarquia continua a hesitar em pôr um travão definitivo a todo este processo especulativo, transformando de vez toda a zona num Parque Ecológico ao serviço dos cidadãos farenses.
Do lado do Município de Loulé, com a Quinta do Lago bem ali à vista, tenta-se ignorar e esconder o facto de a área do Pontal que lhe pertence ser a que ainda se encontra melhor preservada, com valiosas áreas de pinhal e sobreiral, o que faz deste um dos últimos redutos da vasta mancha verde que cobria até há pouco o litoral do concelho.
A Associação Almargem exige a reabertura imediata da discussão pública em torno do futuro da área do Ludo/Pontal, exortando as autarquias de Faro e Loulé a envidar todos os esforços com vista à preservação desta área, na defesa do verdadeiro interesse público, dos seus cidadãos e da protecção do seu património natural, a que estão obrigadas.
Vale da Benémola
O Vale da Benémola constitui uma das jóias mais valiosas do Barrocal Algarvio, com zonas de bosques e matagal mediterrânico ainda bem preservados e ocorrência de escarpas rochosas e grutas propícias à instalação de uma fauna valiosíssima. A existência de várias nascentes e de açudes em boas condições, permite a manutenção de água na ribeira ao longo de todo o ano em cerca de 60% do seu curso, o que confere a esta zona húmida características ímpares no contexto geral do interior algarvio.
Apesar de quase toda esta área se encontrar legalmente protegida há mais de 15 anos, no âmbito do Sítio Classificado da Fonte Benémola, com 392 hectares, o abandono quase constante tornou-a presa apetecida por quem aposta em converter os espaços vizinhos em empreendimentos turísticos com impactos ambientais muito gravosos.
Na zona mais a jusante do Vale da Benémola, sucedem-se as compras de propriedades por parte da Quinta da Ombria, numa demonstração de arrogância e força económica por parte de um empreendimento de carácter meramente especulativo e descaracterizador que se prepara para instalar em 144 hectares situados imediatamente a sul, dois campos de golfe rodeados de hotéis, apartamentos e moradias totalizando cerca de 4000 habitantes – muito mais do que a actual população conjunta das freguesias anfitriãs - Tôr e Querença.
A norte do Vale da Benémola, outro empreendimento turístico (Corte Neto Golf), nos mesmos moldes e com a mesma filosofia predatória dos recursos naturais, se perfila no horizonte próximo, espreitando apenas a oportunidade certa, quem sabe sob a forma de mais um PIN.
A serem implementados, ambos estes empreendimentos colocarão sobre a sensível e relativamente pequena área do Vale da Benémola uma pressão intolerável, pondo em risco a maioria dos valores de biodiversidade ali existentes.
A Associação Almargem não pode ficar de braços cruzados perante todas estas ameaças a um espaço natural por cuja preservação sempre se bateu ao longo dos 20 anos da sua existência como grupo ambientalista.
Assim, a Associação Almargem disponibilizou-se já para, em conjunto com a Fundação Manuel Viegas Guerreiro, ajudar o Município de Loulé e as Juntas de Freguesia locais a implementar um plano de gestão e intervenção para o Sítio Classificado da Fonte Benémola (e também para o da Rocha da Pena), que permita contrabalançar e minimizar os eventuais impactos derivados das operações especulativas que procuram ganhar terreno em seu redor, tanto mais que a recente publicação do Decreto-Lei nº 142/2008 de 24 de Julho abriu as portas para uma resolução rápida da reclassificação destas áreas como Monumento Natural.
No que respeita o empreendimento da Quinta da Ombria e tendo em vista as dúvidas e reticências levantadas pela Comissão Europeia face às respostas dadas pelo Governo português na sequência da queixa apresentada em 2004 pela LPN, a Associação Almargem decidiu enviar de imediato um esclarecimento à Comissão Europeia acerca dos graves impactos negativos que este projecto terá sobre os recursos hídricos e a biodiversidade do Algarve, os quais continuam a ser sistematicamente escamoteados.
Loulé, 28 de Julho de 2008
(Dia Nacional da Conservação da Natureza)
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