Incêndios: O “outro” Algarve está de luto: e agora ?
Nunca como nestes dias de catástrofe ficou tão marcada a injusta e escandalosa dicotomia entre o Litoral do Algarve, onde as festas, a animação e os eventos sociais não param, e o interior da região, abandonado e assolado por incêndios florestais descontrolados.
O Governo tem feito nos últimos tempos um grande esforço para convencer os portugueses de que o Algarve deve ser apenas turismo, tal como os grandes empresários do sector há muito reclamavam.
As condições meteorológicas extremas e algumas mãos criminosas encarregaram-se aparentemente de lhes dar razão. Com o interior do Algarve em grande parte arrasado e coberto de cinzas, o que resta realmente senão ir para a praia ou jogar golfe ? Em plena tragédia, o Secretário de Estado do Turismo teve até o descaramento de considerar que tudo estava sob controlo e que a única preocupação era o imenso fumo que chegava aos resorts e podia incomodar e assustar os turistas !
A Almargem, no entanto, recusa-se, agora mais do que nunca, a aceitar este destino. O Algarve é um território com 500 mil hectares onde o turismo, a agricultura, a floresta, a conservação da natureza e muitas outras actividades têm de conviver harmoniosamente. O turismo do litoral deve apenas constituir o motor de um processo de desenvolvimento sustentado que abranja a totalidade da região.
No meio do terrível drama vivido pelas populações de Portimão, Monchique, Aljezur, Lagos e Silves, levantaram-se vozes contra os “senhores do ambiente” que colocam constantes problemas a quem vive da serra, impedindo ou dificultando, por exemplo, a limpeza de matos ou a abertura de acessos florestais.
As restrições impostas pela Reserva Ecológica Nacional e pela Rede Natura 2000 têm, com efeito, servido de bode expiatório para muitos responsáveis políticos, com uma visão limitada do problema, explicarem a desertificação humana que tem vindo a aumentar no interior do Algarve.
É certo que a aplicação cega de regulamentos restritivos, associada, para mais, à completa ausência de apoios e medidas compensatórias para quem quer continuar a viver em zonas socialmente deprimidas mas valiosas em termos naturais, tem contribuído para o desânimo de muitas pessoas. Mas é a prioridade absoluta (em termos de investimentos e aumento da qualidade de vida) dada, nas últimas décadas, ao Litoral, que constitui o factor essencial para explicar a desertificação da Serra e do Alto Barrocal. Os incêndios apenas vêm agudizar um problema que se arrasta sem solução há muitos anos.
Ainda por cima, desta vez, os bombeiros, exaustos, desmoralizados e sem meios técnicos e humanos, encontraram muitas dificuldades para defender até o essencial, isto é, as casas e aldeias espalhadas pela serra. Nada mais revoltante do que ver um monte bem limpo e abastecido de água, ter de ser evacuado quase à força porque não haveria ninguém para ajudar os 3-4 moradores a defendê-lo, com êxito, das chamas descontroladas.
Deve também dizer-se que, face ao que se havia acabado de passar no centro do país, é incompreensível como um foco de incêndio que, no dia 9 de Agosto, o próprio Presidente da Câmara Municipal de Portimão considerava possível de circunscrever até ao final do dia, sai completamente fora de controlo e avança pela serra acima, ultrapassando estradas e ameaçando povoações de três outros concelhos. Em termos de coordenação e estratégia no terreno houve certamente aqui alguma coisa de muito grave que falhou e que importa esclarecer de forma cabal.
A Almargem solidariza-se com todas as pessoas directamente afectadas pelos terríveis incêndios dos últimos dias, algumas das quais perderam tudo o que tinham. O esforço e o sacrifício dos bombeiros deve também ser realçado e louvado, tendo sobretudo em vista a escassez de meios postos à sua disposição.
Perdeu-se igualmente um enorme património florestal e ecológico. A destruição de habitats e a grave afectação de espécies raras da fauna e da flora algarvias é uma certeza, embora tenha ainda de ser quantificada no futuro imediato.
Uma catástrofe como esta não pode, assim, passar sem uma análise detalhada das suas causas e do que deve ser feito para evitar que se repita.
Ao nível do ordenamento florestal e de prevenção de incêndios, é possível conceber inúmeras medidas capazes de alterar significativamente, no espaço de uma década, a situação actual.
Os responsáveis políticos devem, no entanto, e antes de mais, decidir o Algarve que querem.
Ou um Algarve inteiramente virado para a praia, para o golfe e para os empreendimentos turísticos do Litoral, de costas viradas para o que se passa no interior, cada vez mais desertificado e entregue às monoculturas florestais e aos incêndios cada vez mais devastadores. Ou um Algarve capaz de aproveitar as mais valias geradas no Litoral para investir em força no Barrocal e na Serra, em planeamento agro-florestal, em conservação da natureza, em infraestruturas básicas e em actividades criadoras de emprego, capazes de fixar as populações e cercear de vez o êxodo rural.
É esse o debate que a Almargem deseja possa ser iniciado em breve e para o qual se compromete a prestar o seu modesto contributo.
Loulé, 15 de Agosto de 2003
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