Dois incêndios florestais põem em causa significativos valores naturais
Parque Natural da Ria Formosa está de luto. E agora?
O incêndio que na semana passada deflagrou na zona do Ludo-Pontal poderia não ter passado de mais um fogo florestal entre tantos outros que grassaram já este verão no Algarve, não fosse o facto de ele ter decorrido num local de significativo valor natural e sob estranhas circunstâncias que incluíram vários reacendimentos ao longo de seis dias. E resta saber o que poderá ainda estar para vir…
A verdade é que, por causa deste incêndio, o Pontal voltou a estar no centro de todas as atenções. Repartida pelos concelhos de Faro e Loulé, esta mancha florestal de consideráveis dimensões é, desde há muito, cobiçada por interesses imobiliários que nada mais vêem nela do que um espaço inútil. Os seus intentos ficaram até certo ponto frustrados com a inclusão do Pontal no Parque Natural da Ria Formosa, podendo pensar-se que, a partir daí, a integridade deste local estaria totalmente salvaguardada, contrariamente ao que sucede noutras zonas do Algarve. Contudo esta mata, de características únicas, é o exemplo de como a incúria do Estado e do poder local pode servir os interesses apenas de alguns. Votado ao abandono, o Pontal vem sendo alvo da negligência das autoridades regionais, que apenas beneficiam situações como aquela que recentemente aconteceu. É que não basta dizer que se quer proteger…
Em poucos dias, o concelho de Faro viu serem consumidos, pelo fogo, mais de 150 hectares de pinhal e mato, daquela que é a sua maior mancha florestal, e ainda parte da zona húmida incluída na Reserva Natural do Ludo. Mas mais do que os números, as perdas são incalculáveis para um património cujo valor natural e paisagístico fazem do Pontal um local único da região e do país.
Por certo, agora todos terão despertado (finalmente) para a importância desta área. Por certo, no rescaldo do incêndio muitos serão aqueles que virão agora defender o Pontal, e ainda bem. Afinal, mais vale tarde do que nunca! Quanto aos responsáveis, uns agitam as suspeitas de fogo posto tentando demagogicamente esconder a sua inépcia do passado recente, outros continuam a remeter-se a um silêncio que parece cada vez mais incompreensível. Claro que se pode dizer que este incêndio foi invulgarmente violento, e foi de facto. Mas também o foi o de 1995 e muito mais o de 1989. E o que fizeram desde então as autoridades pelo Pontal? Nada! Ou melhor, fizeram, abandonando-o completamente e condenando-o ao desaparecimento sob uns quantos hectares de betão, hipotecando desta forma o futuro de um património singular.
O incêndio de há dias no Pontal, apenas veio demonstrar quão frágil ou mesmo inexistentente é a protecção deste espaço florestal. Perante as inquestionáveis dúvidas sobre a origem do fogo, ficaram bem claras as falhas no esquema de combate a incêndios nesta área. Para além da evidente falta de um plano de intervenção e de emergência, saltou à vista a grande dificuldade com que os bombeiros, apesar do seu brio e abnegação (e chegaram a ser mais de 100 os efectivos presentes) lutaram contra as chamas, alegadamente pelo desconhecimento do terreno e dos (inúmeros) caminhos que existem no local. Como é que se explica que não existisse aqui qualquer esquema de vigilância durante o período de verão, numa área tão densamente arborizada, que se encontra integrada numa área protegida? Evidente foi, também, a falta de conhecimento e sensibilidade, por parte da Protecção Civil, dos valores naturais em causa, que foram sempre ignorados em detrimento dos bens patrimoniais aí existentes. E mesmo estes correram um grave perigo, com relevo para o polo universitário das Gambelas. No entanto, indeléveis serão durante muito tempo as marcas deixadas pelo fogo na paisagem e sobretudo na vegetação que quase desapareceu por completo em várias áreas.
Perante tal cenário, a Almargem propõe uma série de medidas que visam a protecção efectiva deste espaço e a salvaguarda do verdadeiro interesse público:
1.Elaboração urgente de um plano de combate a incêndios e de vigilância permanente da área do Pontal durante o período de verão, recorrendo a equipas no terreno e à instalação de um posto de vigia, sob pena da ameaça dos incêndios continuar a pairar sobre esta zona sempre que a temperatura sobe.
2.Desenvolvimento urgente de um estudo de caracterização biofísica do Pontal e do Ludo, com vista a um conhecimento rigoroso dos habitats e dos valores naturais aí existentes e que sirva de apoio ao processo em curso de revisão do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa, à definição de uma proposta de gestão e conservação da área e à sua integração nos futuros instrumentos de gestão territorial.
3.Estudo e acompanhamento científico da evolução da área ardida, com vista à recuperação de espécies e habitats, bem como ao estabelecimento de medidas preventivas, que visem proteger da erosão a área agora desprovida de vegetação.
Mas para que a valorização do Pontal seja uma realidade, é imprescindível que as autoridades assumam de uma vez por todas as suas responsabilidades, pondo de lado os habituais discursos de circunstância.
A Almargem apela uma vez mais aos Presidentes das Câmaras de Faro e de Loulé para que tenham a coragem de assumir o interesse público da preservação deste espaço natural como zona verde de vital importância para as populações da região, em particular para a cidade de Faro. E que tenham também a coragem de dizer, preto no branco, que o mega-projecto de urbanização proposto para o Pontal pura e simplesmente não serve e que tem de ser substituído por um plano de desenvolvimento e usufruto responsável.
A Almargem exige por isso às autarquias de Faro e Loulé a suspensão imediata dos trabalhos da Comissão de Acompanhamento do Plano de Urbanização do Pontal e a sua substituição por uma Comissão Cívica capaz de recolher e lançar ideias inovadoras com vista à gestão e utilização sustentável deste espaço florestal, com a participação de todas as entidades interessadas, incluindo os proprietários cujos interesses têm, de alguma forma, ser tidos em conta.
Destruídos parcialmente os carvalhais da Corte
Um outro incêndio de grandes proporções devastou recentemente cerca de 300 hectares de mato e pinhal nas encostas do Cerro da Legra e do Minhoto, na Herdade da Corte, a norte de S. Romão (S. Brás de Alportel). Tratava-se de uma mancha densa e muito importante de matagal mediterrânico característico do Barrocal algarvio, representando um habitat de elevada biodiversidade onde pontificavam espécies como a azinheira, o carvalho-cerquinho e o medronheiro. Aqui se localizava também aquele que, por muitos, era considerado o único carvalhal intacto e bem conservado do Algarve. Por sorte, a sua destruição não foi total, tendo ardido cerca de 60% da sua área. Pode aliás constatar-se neste local a maior resistência ao fogo da vegetação natural bem desenvolvida e diversificada (de que sobreviveram algumas manchas), em contraste com a total destruição das manchas de pinhal e matos rasteiros.
Grande parte da área ardida fora recentemente incluída numa zona de caça associativa. Aliás as placas de sinalização desta coutada são os únicos elementos dissonantes numa paisagem totalmente calcinada pelo fogo, mantendo-se estranhamente luzidias e em bom estado, como se estivessem preparadas para uma calamidade deste tipo... Uma parte da área está também inserida na Herdade da Corte, para onde existe há anos um projecto urbano-turístico que prevê a instalação de um campo de golfe e centenas de alojamentos.
Neste caso, a Almargem considera prioritária a implementação de um plano de salvaguarda integral da mancha de carvalhal que sobreviveu ao incêndio e de um plano urgente de reflorestação das encostas ardidas com vista a protecção do solo.
Apelamos igualmente à Direcção Regional de Agricultura para que promova a suspensão, pelo prazo mínimo de seis anos, da concessão da actividade cinegética em toda a área afectada pelo fogo e que venha a ser alvo de reflorestação, de forma a possibilitar a recuperação integral desta zona.
Loulé, 31 de Julho de 2002
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