Ponta da Piedade afetada por perspetiva urbanóide
Em Lagos, depois da massificação da Praia de Dona Ana está em curso o ajardinamento da Ponta da Piedade.
Se, em 2015, a lamentável destruição da paisagem idílica e natural da Praia de Dona Ana se desculpou com a preocupação em garantir a segurança das pessoas face ao risco de desabamento das falésias, a intervenção em curso na Ponta da Piedade assenta numa suposta tentativa de reduzir o impacto dos visitantes sobre os frágeis ecossistemas costeiros. Mas, neste caso, uma visão meramente urbanóide predomina sobre a única solução correta que passaria por uma simples renaturalização desta maravilhosa área.
Incentivado pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente) e apoiado pelo Município de Lagos, o projeto de requalificação da Ponta da Piedade foi concebido pela HB, uma empresa de arquitetura paisagística quase exclusivamente envolvida em projetos de parques urbanos e resorts turísticos, incluindo o Cascade Resort, que também se disponibilizou para apoiar financeiramente este projeto até porque os seus proprietários detêm boa parte dos terrenos em volta da Ponta da Piedade.
Numa primeira fase, pretende-se ocupar mais de 2 kms de caminhos entre o Cascade Resort e a Ponta da Piedade com passadiços de madeira e pisos de gravilha cobertos com betão poroso. Quer uma quer outra destas intervenções tem impactos negativos relevantes sobre o ambiente, como sejam a introdução de barreiras e elementos visuais desfiguradores da paisagem natural, uma maior impermeabilização do solo e alguma destruição do substrato rochoso e da vegetação envolvente. Por outro lado não impedem, de modo algum, a continuação do acesso excessivo dos visitantes a outros caminhos, sobretudo os que ficam mais perto da beira das falésias.
A solução mais adequada e, obviamente, muito menos custosa para o erário público, seria garantir a boa manutenção dos caminhos principais, balizando-os com pequenas estacas e cordas, para além de promover o crescimento da vegetação natural sobre os restantes acessos e veredas de forma a desincentivar a sua utilização.
Logo que o Município de Lagos divulgou a sua intenção em avançar com este projeto, a Associação Almargem propôs que ele fosse posto à consideração dos cidadãos através de uma apresentação pública, onde certamente teria sido realizado um útil debate e sugeridas as melhores soluções para a Ponta da Piedade. Infelizmente, tal proposta não foi aceite pelo Município, que se limitou a seguir as ideias da APA e da HB, com os resultados que estão agora à vista de todos.
Para além das obras em curso, está prevista uma segunda fase de muito maior dimensão, com a qual se pretende replicar o mesmo tipo de intervenções ao longo da orla costeira entre a Ponta da Piedade e a Praia de Dona Ana. A situação aqui torna-se ainda mais preocupante pois pelo menos 2 dos proprietários dos terrenos envolvidos querem com isto assegurar um chorudo negócio, tendo já vedado ilegalmente os seus terrenos, o que impede a passagem de caminhantes pelos trilhos existentes, e procurando garantir que de duas ou três velhas ruínas, situadas em pleno espaço de proteção natural das falésias, nasça o maior número possível de luxuosas moradias. Para além disso, está previsto o alargamento da estrada da Ponta da Piedade, o que iria potenciar um aumento insustentável do acesso a esta zona emblemática do concelho de Lagos.
Perante esta situação, a Associação Almargem vem novamente propor que os responsáveis do Município de Lagos promovam, com a máxima urgência, uma discussão pública alargada em volta deste projeto, aproveitando para se fazer uma análise crítica da primeira fase em curso e garantindo o melhor dos consensos sobre a segunda fase da intervenção que está prevista. Só assim, o nome de Sophia de Mello Breyner poderá ser associado, de forma respeitosa e justa, a esta obra.
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